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09/11/2021ㅤ Publicado às 16:41

A celebração, neste 8 de novembro, do Dia Mundial do Urbanismo, no ano em que o Estatuto da Cidade completa duas décadas de existência, enseja uma reflexão sobre o alcance da regulamentação urbanística no país, tendo como pano de fundo as discussões em curso sobre o novo Plano Diretor de São Paulo.

O artigo 182 da Constituição Federal de 1988 prevê que “a política de desenvolvimento urbano, executada pelo Poder Público municipal (…) tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem-estar de seus habitantes”.

Foram necessários 23 anos para que a aprovação do Estatuto da Cidade traduzisse isto em uma legislação minuciosa, que regulamentou diferentes instrumentos urbanísticos – dos quais se valeriam os Planos Diretores Estratégicos e as leis de parcelamento, uso e ocupação do solo.

Contudo, duas décadas depois, o que se constata é que as desigualdades da ocupação do território em São Paulo se exacerbaram, ao invés de serem mitigados os distanciamentos sociais e espaciais. De certa maneira, processos político-sociais, utilizando-se da legislação urbanística, acabaram colocando-a contra si mesma.

É bem verdade que não faltaram boas intenções. As ações do planejamento urbano municipal paulistano, no século XXI, se alicerçam em importantes avanços conquistados ao longo das últimas décadas, em direção ao fortalecimento do poder de gestões democráticas e ao incremento da justiça social. Porém, a despeito dessas diversas inovações, houve várias instâncias de apropriação dos ganhos pela iniciativa privada, particularmente pelo setor imobiliário.

Na prática, pontos da regulação urbanística, com seus instrumentos, planos e propostas, fragmentaram ainda mais a capital paulista – a demonstrar que um dos principais desafios da São Paulo contemporânea é a busca pela redução das desigualdades socioeconômicas, através de um pensamento urbano racional, inclusivo e ambientalmente responsável.

Muitas são as desigualdades históricas de São Paulo, e uma das mais flagrantes é fruto de um processo de espraiamento territorial e de elitização do crescimento vertical da cidade, o que a legislação recente não apenas não conseguiu estancar, mas, ao contrário, reforçou.  

Para ficar num exemplo, vejamos um desses instrumentos, a outorga onerosa. Ela possibilita à Prefeitura a negociação do direito de construir acima do estabelecido em determinada região da cidade, atendendo às demandas dos agentes privados; com o pressuposto de uso dos recursos arrecadados na reversão de quadros de precariedade socioterritoriais, historicamente presentes na ocupação urbana.

A produção imobiliária em si não é problemática, desde que seja inclusiva: ou seja, não excluindo os de menor poder aquisitivo, que são obrigados a procurar soluções de moradia irregulares e muitas vezes precárias. A outorga onerosa tem, muitas vezes, permitido às construtoras verticalizar com prédios de alto padrão (e custo) bairros já consolidados, expulsando seus moradores, gente pobre e de classe média.

Repete-se um fenômeno dos anos 1950, quando uma lei municipal incentivou a construção de edifícios com grandes apartamentos na região central, acabando com as quitinetes, que eram uma forma de moradia da população de classe média baixa.

Resulta disso que São Paulo é uma cidade vertical, mas não densa, como muitos imaginam. Com o espraiamento territorial, a falta de concentração de densidades causa outra desigualdade, pois exclui os segmentos de menores recursos do acesso aos bairros com melhor infraestrutura, e maior acesso aos diferentes modais de mobilidade.      

A forma urbana da cidade espelha essas desigualdades. Perdeu-se a relação generosa que já houve entre a qualidade dos edifícios e o espaço público. A chamada necessidade de segurança disseminou condomínios fechados, que não propiciam espaços públicos democráticos.

Hoje, torna-se fundamental uma análise crítica de tais instrumentos, bem como as formas de sua aplicação pelos atores públicos e privados. Também temos que lembrar uma das principais desigualdades: o financiamento.  Os recursos de financiamento disponibilizados pelo Estado ou pela iniciativa privada para a produção habitacional não atendem famílias com renda menor que 1,5 salário mínimo. O resultado é que, por conta do uso ainda insuficiente de instrumentos de financiamento do desenvolvimento urbano pelo poder público, o mercado se encarrega de resolver como será a cidade em que vivemos.

Nadia Somekh, professora emérita da FAU-Mackenzie e presidente do Conselho de Arquitetura e Urbanismo do Brasil 

 Candido Malta Campo Neto, professor doutor adjunto da FAU-Mackenzie

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